segunda-feira, 23 de abril de 2012

…primeiro pé em português.

Colorido de verão, já mais fresco que o calor da Catalúnia, Portugal veio me abraçando, me enchendo de carinho como um bom anfitrião que diz “cê é de casa”. Passei meu último dia em Barcelona sozinha, quase que não abri a boca pra soprar uma palavra e, quando falei, era um esboço de português com espanhol que, apesar de sair um pouco tímido e avacalhado, me aliviava por pelo menos falar. Gostava de poder falar “desayunar”, na hora de tomar café da manhã, mas que palavra linda e gostosa de ouvir. Nesse meu dia de estar sozinha ali estive atarantada, desnorteada, saudosa, preparando-me para a nova fase da minha vida que estava por vir: a mudança para Portugal. No caminho para o Porto, onde desci de avião para pegar o ônibus (que agora sei que aqui se fala autocarro) só pensava: que ideia foi essa de sair do meu país e ir para um lugar onde não sei e não conheço ninguém. Enfim, um ano e dois meses no Brasil ansiosa por esse momento e quando ele finalmente chega, me senti no lugar errado.

Mas já não havia mais o que fazer, já estava ali, sozinha, à caminho. O medo misturado com curiosidade me acobertava. Uma recepção maluca, foi a que eu tive: peguei o metro (que aqui dizem metro – como aquele que a gente tira medida – e não metrô) e desci na estação do centro do Porto, onde sabia que devia pegar o autocarro para Bragança. Sem mapa, só com endereços anotados, uma mala de 26 kilos (com uma das rodinhas e a alça principal quebradas pela TAP no transporte) e uma outra malinha de mão, fui e cheguei na avenida Santa Catarina no Porto. Cheio, bem movimentado, pensei: vai ser fácil, já já chego em casa. Perguntei pela “Rodonorte”, cia. de ônibus, (no meu sotaque bem brasileiro) para uma senhora portuguesa: “Rua do norte” (bem naquele trejeito lusitano) não sei não, não conheço essa rua, depois um senhor me disse: “Ah! podes subir a rua aqui, andas um bocadinho e já está”, eu, desconfiada, perguntei de novo, me apontaram o lado oposto desse primeiro senhor. E agora, para onde ir? Arrumei um mapa, o problema é que não se via o nome da rua que eu procurava no mapa que eu tinha. Fui rolando com aquela mala pesada e, literalmente, sem alça pelo chão do centro do Porto, todo lindo, mas nada prático para a minha situação: ruas de pedra, que não facilitavam em nada o transporte daquele objeto sem jeito e pesado.

No meio dessa baderna de chegada, ainda consegui saltar de alegria quando me deparei com uma pequena igreja dali daquele centro. Meu olho, já viciado em barrocos e/ou azulejos, e já preparado para encontrar isto em portugal, bateu de frente com a igreja de Santa Catarina e brilhou. Dali, percebi que minha mente ainda ia beber muito das texturas do mundo. Desfoquei por um instante da minha missão de chegada, parei ali e o que fiz foi isso: admirar.

DSC01927

Fiquei até mais feliz, pensei em tantos amigos que teriam deslumbrado ali, junto comigo. Naquele momento dividi apenas comigo a experiência de ver aquela beleza.

Mas a jornada continuava, Bragança ainda não tinha chegado e era lá, somente lá, que eu tinha onde ficar, gentes desconhecidas que me esperavam e uma cama quentinha pra me abraçar. Subi e desci ruas erradas e cheias de pedras, essas ruas antigas que até me levavam a memória em Ouro Preto (só isso que me fazia achar lindo as pedrinhas na rua naquele momento). Subi para um lado: nada, desci para o outro: nada, estava perdida e desencontrada no meio do Porto, com portugueses debochando do meu arrastar sem jeito e cansado da mala, sem entender o meu vai e vem sem lógica naquelas ruelinhas. Ninguém para me salvar. Estava cansada, tudo que eu queria era pegar o bendito ônibus, chegar em casa e uma internet para dar e receber notícias.

Fui caminhante e, como boa brasileira que sou, sem desistir. Um senhor se aproximou e perguntou se precisava de ajuda, falei onde precisava de ir e ele tentou me explicar. Sem conseguir direito ele me disse que o carro dele estava estacionado umas ruas acima, mas que talvez nem seria uma boa ideia ele me dar carona (em portugal: boleia) porque as ruelas ali eram fechadas para carro e ele não sabia como chegar lá. Eu, bem mineira que sou: desconfiada, fiquei foi morrendo de medo daquele senhor maluco querer se aproveitar da minha falta de agilidade e do meu desconhecimento de local. Agradeci e fui descendo a rua sentido contrário que ia antes, seguindo a orientação dele (ainda bem desconfiada).

Depois de andar uns dois ou três quarteirões resolvi perguntar mais uma vez para ter certeza de que estava no caminho certo (afinal andar carregando peso qualquer centímetro a menos faz diferença). Nesse momento o senhor que abordei me disse que faltava pouco, eu tinha que andar mais uma quadra, virar a direita e depois a direita de novo, já está. Sigo em frente, em obediência, quando aquele senhor que me havia me oferecido “boleia” antes ressurge, de repente, na minha frente: “onde tás a ir? tens que entrar nessa rua atrás de ti”, eu discordei: “mas o senhor que acabo de perguntar me falou pra seguir em frente e virar na próxima” e ele me disse de volta: “ora lá, queres saber mais da minha cidade que eu?” e gritou comigo de tal maneira que nem tive muita opção de não fazer o caminho dele. Quando olhei a ruela que ele me mandou entrar, assustei: parecia um beco de tão estreita a rua, toda esburacada, de pedra e ainda era uma descida. Fiquei apavorada duas vezes: como vou descer carregando duas malas de rodinha sozinha nessa rua? e o motivo do segundo desespero: isso é um beco (no Brasil ficaria logo desconfiada se alguém que não conheço – e que estava me seguindo – visse que eu estava perdida e me mandasse entrar numa espécie de bequinho). Eu, no meio do meu medo e da minha desconfiança, vi um casal de velhinhos e perguntei de novo. A senhora, toda bem gentil falou: “tens que entrar nessa rua aqui” e apontou para o tal do beco.

Nesse mesmo instante olho para o outro lado da rua e observo que o senhor estranho (que me ofereceu boleia, me seguiu e gritou comigo) continuava a me observar de longe e, com isso, me apavorei e tive a certeza de que ele estava me seguindo. Falei com esse casal de velhinhos do meu susto com esse senhor estranho e a senhora, toda meio com preocupação de vó, me disse gentilmente: “vá, vá menina, vamos ficar aqui a te olhar”. Desci, me sentindo um pouco mais segura (não sei porque, afinal eram dois velhinhos queridos indefesos que me “protegiam”).

No bequinho a minha mala caía, rolava pelas pedras e buracos, trombava na minha perna, joelhos, torcia com a força da gravidade puxando ela pra baixo e meu braço não aguentava segurar: um desastre. A cena era hilária, só não pude rir porque na hora a minha raiva me fazia querer gritar, ou chorar. Sentia raiva dos portugueses (mal sabia que ainda podia me apaixonar por esse povo, esse lugar). Eis que uma alma boa me surge: um rapaz desce o beco e, preocupado com a minha situação, se oferece para carregar a minha mala maior gentilmente até o final da descida. Pequenos anjos enviados: aquela senhorinha fofa me vigiando e esse jovem rapaz, que carregou meu problema até o final da descida.

Enfim, destino alcançado: Rodonorte, nunca foi tão difícil encontrar uma rodoviária.

Me embarquei na estrada da nova rota de minha vida, onde comecei uma nova mudança, navegada por aprendizados advindos da minha constante curiosidade e do prazer de conviver com esse povo cheio de boas peripécias e causos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário